Dream News (DN) – Ser Chef, para si, foi a concretização de um sonho? Que tipo de formações realizou até ao momento?
Sílvia Baptista (SB) – Nunca sonhei em ser “Chef” no sentido formal da palavra. O meu verdadeiro sonho sempre foi viver a pastelaria de forma plena, com as mãos, com o coração e com a cabeça. Sempre senti que havia algo de mágico na forma como os ingredientes mais simples, como a farinha ou o açúcar, se transformam em algo que emociona, que fica na memória de quem prova. Comecei o meu percurso na Academia Profissional de Cake Design, onde me formei em cake design, chocolate e pastelaria. Foi ali que descobri o encanto da precisão, a beleza dos detalhes e a importância do cuidado em cada gesto. A partir daí, o caminho foi sendo construído com muita entrega: fui explorando novas abordagens, aprendendo com colegas, mestres e com a própria prática do dia a dia. A curiosidade foi sempre o que me guiou, esse desejo constante de fazer melhor, de entender mais, de criar com mais intenção. Hoje, continuo a caminhar nesse sentido e estou a frequentar o Mestrado em Ciências Gastronómicas, que tem sido uma descoberta maravilhosa. No Mestrado, estou a aprender a ver o que antes me escapava. A perceber os pequenos segredos que vivem dentro de uma sobremesa, aquilo que acontece lá dentro, no silêncio, enquanto tudo se transforma. Aprendo como uma molécula se comporta num creme, como o calor muda uma textura, como o tempo altera tudo sem que se veja. É como se alguém me estivesse finalmente a traduzir aquilo que eu sempre senti, mas não sabia explicar. E isso tem sido mágico. Cada aula abre um mundo novo, e eu dou por mim completamente rendida à beleza de compreender o invisível. Hoje, mais do que nunca, vejo a pastelaria como um lugar onde a ciência e a emoção se encontram. Onde há técnica, sim, mas também há memória, afeto, sensibilidade. É nesse cruzamento entre o saber e o sentir que me reencontro todos os dias, e é aí que sei que pertenço.
DN – Foi o seu gosto pela criação de produtos de Pastelaria que a levou a conceber a marca, Doce Lourinhã?
SB – A Doce Lourinhã nasceu de dentro, de uma vontade antiga de dar forma ao que sentia e ao que sou. Sempre tive um carinho enorme pela minha terra, pelas suas tradições, pelos sabores que me acompanham desde criança. E foi através da Pastelaria que encontrei a melhor forma de homenagear tudo isso. A marca surgiu da necessidade de criar com identidade, de fazer doces que fossem mais do que receitas, que tivessem uma história, um lugar, uma alma. Queria que cada produto tivesse ligação ao território, aos ingredientes locais, às memórias que guardo com tanto afeto. E ao mesmo tempo, queria fazer algo com liberdade criativa, onde pudesse misturar tradição com um olhar mais contemporâneo, mais meu. A Doce Lourinhã é isso: o reflexo de quem sou enquanto pasteleira, mas também enquanto mulher, filha da Lourinhã, apaixonada pela sua terra e pelas suas raízes. É um projeto que cresce comigo, que me desafia todos os dias, e que me permite fazer aquilo que mais gosto: criar doces com verdade.

DN – Através da sua mestria, consegue surpreender todos, mesmo os que possuem paladares mais exigentes?
SB – O que mais procuro, quando crio, não é tanto surpreender… é emocionar. É tocar algo dentro de quem prova. Há quem diga que a Pastelaria é matemática, técnica, precisão – e é verdade. Mas também é memória, sensação, ligação. Gosto de pensar que um doce pode fazer alguém parar por um instante, recordar, sorrir, fechar os olhos. Claro que sinto uma alegria imensa quando alguém com um paladar exigente se deixa render a uma das minhas criações. Mas não o vejo como uma conquista de ego – vejo como um encontro bonito entre o que criei e o que aquela pessoa estava pronta para sentir. Às vezes, o que surpreende não é o ingrediente raro ou a técnica inovadora… é a simplicidade feita com verdade, o sabor certo no momento certo. É isso que tento fazer: criar com intenção. Com alma. E se isso conseguir tocar quem prova, mesmo os mais exigentes, então é porque a pastelaria cumpriu o seu papel.
DN – A sua abordagem única e inovadora combina técnicas tradicionais com uma visão contemporânea, resultando em verdadeiras obras de arte comestíveis?
SB – Gosto de pensar que o que faço nasce de uma conversa entre passado e presente. A tradição está sempre comigo, é a base, o alicerce, aquilo que me liga à minha história e à da minha terra. Mas o olhar contemporâneo dá-me liberdade para reinterpretar, para brincar com texturas, contrastes, formas de apresentação. É como se eu pegasse numa receita antiga e a deixasse respirar com novos ares. Não penso nas minhas criações como “obras de arte” no sentido mais formal. Mas sim, tento que cada doce tenha estética, identidade e emoção. Que toque não só o paladar, mas também os olhos e o coração. A beleza está nos detalhes: na forma como um creme escorre, numa folha de chocolate mais fina, numa combinação inesperada que, de repente, faz todo o sentido. Para mim, criar é isso – respeitar o que veio antes e, ao mesmo tempo, ousar dizer algo novo. Sem esquecer nunca que, no centro de tudo, está o sabor. Porque de nada vale uma sobremesa bonita, se não for boa de verdade.

DN – Cada produto de pastelaria elaborado por si, reflete a sua paixão pela excelência, pela qualidade dos ingredientes e pelo cuidado artesanal?
SB – Sim, sem dúvida. Cada criação que sai da Doce Lourinhã carrega consigo tempo, respeito e muito cuidado. Eu acredito mesmo que o sabor começa muito antes de chegar à boca, começa na forma como escolhemos os ingredientes, no tempo que damos às coisas, na forma como olhamos para cada detalhe, por mais pequeno que pareça. Não trabalho com pressa, nem com facilitismos. Gosto de fazer as coisas com calma, com intenção, com alma. Escolho ingredientes que conheço, que confio, e sempre que posso, valorizo o que é local, sazonal, real. Para mim, a excelência é uma atitude constante, um compromisso silencioso com quem vai provar.
DN – Os bombons, da Doce Lourinhã, são especiais, visto que nos mesmos é utilizado o chocolate Valrhona, reconhecido como premium, e a aguardente DOC Lourinhã?
SB – Sim, são especiais. Não só pelos ingredientes, mas pela verdade que há neles. Nestes bombons juntamos dois mundos de excelência: o melhor chocolate do mundo, o Valrhona, e a melhor aguardente portuguesa, que arrisco a dizer… talvez seja também uma das melhores do mundo. O chocolate Valrhona tem uma profundidade que nos envolve, é nobre, equilibrado, elegante. Trabalhá-lo é um privilégio, é preciso conhecê-lo, respeitar-lhe o tempo, sentir-lhe o ponto. Já a aguardente DOC Lourinhã carrega a alma da nossa terra, tem carácter, complexidade, uma sofisticação discreta que encanta. Quando os dois se encontram, nasce algo único. Não queria apenas fazer bombons – queria contar uma história através deles. E essa história fala de território, de identidade, de saber fazer e de respeito pelos ingredientes. Cada bombom é pequeno, sim, mas leva dentro de si uma ligação profunda entre tradição e requinte. É por isso que quem os prova, dificilmente os esquece.

DN – Os ingredientes e matérias-primas que escolhe para a produção dos mesmos são de excelente qualidade?
SB – Sem dúvida. A qualidade dos ingredientes é essencial, influencia tudo: o sabor, a textura, o aroma e até o valor nutricional. Escolho sempre matérias-primas em que confio, com origem clara e com o mínimo de processamento possível. Sempre que posso, opto por produtos nacionais, valorizando aquilo que é nosso, de proximidade e com identidade. E quando uso ingredientes cuja matéria-prima de origem, como o cacau, não é produzida em Portugal, recorro apenas a marcas que me garantem excelência, ética e consistência, como é o caso do chocolate que utilizo.
DN – “Cada iguaria é mais do que uma simples sobremesa… É uma história cuidadosamente elaborada, alimentando a alma dos clientes e deixando uma memória duradoura em todos aqueles que têm o privilégio de saborear suas criações.” Pode comentar a frase?
SB – Revejo-me completamente nessa frase. Para mim, criar uma sobremesa é mais do que trabalhar ingredientes, é dar-lhes sentido. Gosto de associar uma história a tudo o que faço, mesmo que ela seja apenas sentida e não contada em voz alta. Uma história dá profundidade, dá emoção, dá verdade ao que se apresenta no prato. Acredito que quando criamos com intenção, com memória, com sentimento, isso chega a quem prova. Não é só o sabor, é o que o sabor desperta. Pode ser uma lembrança de infância, uma sensação de conforto, um momento especial. E é isso que procuro em cada criação: que deixe algo para além do doce. Algo que fique.

DN – Considera-se uma referência na pastelaria portuguesa, dado que é detentora de várias marcas nacionais? A Doce Lourinhã possui vários produtos registados como marca no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI)?
SB – Considero-me alguém que trabalha com dedicação, respeito e um profundo amor pelo que faz. O reconhecimento que tenho recebido deixa-me muito grata, mas também com os pés bem assentes na terra. Continuo a aprender todos os dias. Registar os meus produtos no INPI foi uma forma de proteger ideias que nasceram com tempo, estudo e intenção. São criações que resultam de um caminho feito passo a passo, onde se encontram tradição, sensibilidade e vontade de fazer diferente. Mais do que uma conquista pessoal, vejo esse registo como uma forma de preservar aquilo que tem identidade, ligação ao território e um propósito claro. É uma maneira de dar nome e estrutura a um trabalho que cresce com consistência, entrega e muito sentido.
DN – O seu legado nas escolas onde leciona é marcado pela sua paixão e dedicação em transmitir conhecimento e inspiração… Pretende que a sua paixão pela área da Pastelaria perdure por muitos anos?
SB – Gostava muito que perdurasse – não por vaidade, mas porque é aqui, na partilha com os alunos, que a minha vida ganha ainda mais sentido. Ensinar Pastelaria não é apenas mostrar técnicas ou receitas. É abrir espaço para o sonho, é mostrar que cada um pode criar, ousar e encontrar a sua voz através do que faz. É com estes miúdos – tão cheios de vontade, de inquietações, de surpresas – que eu também me reinvento. São eles que me desafiam, que me obrigam a repensar, que me inspiram a não ficar parada. Ensiná-los é também ensinar-me a mim própria todos os dias. Procuro incentivá-los a olhar com outros olhos, a ver beleza no processo, a respeitar o tempo e a confiar no seu instinto. Desafiá-los é fundamental – porque é nesse confronto, entre o medo e a vontade, que se cresce de verdade. É aí que nasce a coragem de criar, de errar e de fazer diferente. Mais do que deixar um nome, quero deixar presença. Que um dia, num momento importante, um aluno se lembre de uma aula, de uma conversa, de um gesto que lhe disse: “Tu consegues.” Se isso ficar, então deixei algo de verdadeiro no mundo. E isso, para mim, já é tudo.


 
			 
		 
		 
		 
		 
		 
		 
		