No Dia Mundial da Criança (celebrado a 1 de junho) nunca é de mais relembrar que a Carta Europeia dos Direitos da Criança e do Adolescente recomenda que os cuidados de saúde devem ser diferenciados, prestados por médicos idealmente especializados em pediatria, competentes em crescimento, desenvolvimento e medicina preventiva para esta faixa etária e na gestão das doenças agudas e crónicas. Salienta ainda, que é durante a fase de crescimento, de desenvolvimento e de maturação fisiológica, imunológica e comportamental, que ocorre a oportunidade de se obter o melhor resultado clínico.

Num mundo em acelerada mutação, onde se encurtam distâncias, se globaliza e generaliza a comunicação, se alteram padrões de vida e desenvolvimento, onde se perdem ou deixam de ter significado valores éticos e morais, é esperável que haja implicações na saúde no sentido mais lato do termo e com particular incidência na criança, ser em desenvolvimento com vulnerabilidades fisiológicas e biológicas, inerentes à sua imaturidade. Nas últimas décadas assistimos ao efeito de estufa, com elevação da temperatura do planeta e com consequentes alterações climáticas, com encurtamento ou desaparição de estações do ano bem delimitadas, modificando as épocas polínicas, aumentando e potenciando a sua biomassa, conduzindo a desequilíbrios no ecossistema, com repercussão no individuo, particularmente no seu perfil alérgico.
A criança é agredida, por um lado, por variadíssimos fatores desfavoráveis à sua saúde, enquanto por outro, dado o progresso tecnológico, se aumenta significativamente a sua esperança de vida em situações que conduziam à sua morte prematura, aumentando o número de crianças com doença crónica. Sem dúvida que o aumento das doenças alérgicas nos países desenvolvidos está relacionado com vários fatores resultantes desse progresso, de onde destacamos a poluição, o tabagismo, o controlo das doenças infeciosas, os novos hábitos alimentares, a vida mais sedentarizada e consequente obesidade, o viver mais tempo em espaços fechados, criando condições para um maior e mais constante contacto com os alergénios. A introdução de novos alimentos, a existência de corantes e conservantes em muitos deles, a utilização de produtos transgénicos, a incorporação de antibióticos e outros fatores de crescimento nas rações para animais, a utilização indiscriminada de antibióticos nos primeiros anos de vida, são elementos não estranhos a esta realidade.
A criança é um todo, constituído por corpo e mente, envolto num ecossistema formado pela família, pela escola, pelo meio ambiente e social. A prevenção da doença e a educação para a saúde são papéis prioritários, exigindo profissionais devidamente formados e meios materiais que possam fazer frente às velhas e novas patologias, muitas delas emergentes, pelas condições económicas vigentes. A Pediatria não se pode ocupar somente do crescimento e maturação da criança, mas dos cuidados integrais e globais da criança e do adolescente. É neste ramo da medicina que recaem as maiores responsabilidades na prevenção da doença, incitando a que se evitem condutas de risco geradoras de patologias crónicas em idades posteriores, aconselhando, propiciando e promovendo estilos de vida saudáveis. Todo o capital que investirmos na criança não será desperdício. Antes pelo contrário, será altamente rentável no futuro, contribuindo para uma sociedade mais digna e saudável, no sentido lato da palavra. A criança tem de usufruir, em seu próprio benefício e no da sociedade, do gozo dos seus direitos e liberdades. Só assim, ela será preparada para, que no futuro, seja participante ativo na vida cultural, criativa e de lazer. Que as vozes daqueles que não fazem manifestações nem greves, que não têm sindicatos que os defendam, que não votam, as crianças, ecoem as suas vozes na porta do presente e que contribuam para a abertura dum colorido arco-íris no horizonte do amanhã. Temos de ser menos egoístas no presente não hipotecando as gerações futuras, como tem acontecido.
A criança é a semente mais nobre e com maiores potencialidades de frutificação. Só assim conseguiremos ver o que há de mais bonito, o sorriso de uma criança. Lutar por esse sorriso de felicidade, universal, é nossa obrigação como pediatras, avós, pais, governantes. É o melhor investimento que podemos fazer para um Portugal melhor e mais justo. Que toda a criança tenha direito à saúde e aos melhores cuidados, a uma assistência médica preventiva e diferenciada, não deve ser só um desejo ou uma frase, mas antes uma realidade presente.